30 junho 2011




one line punch poem I
vårt behov av tröst är omättligt. lamentamos.

one line punch poem II
esta noite sonhei contigo, algures entre beirut e uppsala. efeitos definitivamente secundários.

one line punch poem III
retirar tudo o que está a mais, até ficar só osso - meu - e pele - tua. 'skinny love', cantava o outro.

parafrasendo o mestre alfred hitchcock:
'buuuuhhhhh!' (leia-se: 'medo!')

29 junho 2011


porque o amor é esta brutal oficina que nunca.


how false the heart
how false the day

28 junho 2011



algures na década passada, por volta de 2001, o blues-country de lucinda williams atingiu, talvez, o seu absoluto pico criativo. o disco chama-se 'essence' e é composto por um alinhamento quase perfeito de 11 quase perfeitas canções. há, neste particular disco, um cruzamento peculiar entre o 'amor amoroso' e o 'amor místico' - algo que apenas uma leitura atenta da capa e dos folders que a acompanham, a par de uma escuta empenhada e integral do álbum, permitem captar. é um disco fantástico, dorido e magoado. e, arriscamos, um daqueles discos que só uma mulher poderia alguma vez escrever. esta faixa é a que encerra o disco, de seu nome 'broken butterflies' e, apesar da toada lenta e desencantada, termina com uns versos que rimam com as palavras 'possibilidade' e 'redenção'. que o faça com brilhantismo melódico, é um extra importante. que o faça com a mesma autenticidade que escorre de todo este disco, já é algo que não nos compete comentar, por respeito pela integridade inviolável da pessoa que é, antes da autora, a senhora williams. mas podemos anotá-la e dela dar-vos conta.

de maneira que é assim.

27 junho 2011

paul and linda mccartney and their dog

26 junho 2011

aqui há uns anos, acho que fui 'salvo'(?) por um tridente de insígnes filósofos: arthur shopenhauer, bertrand russel e irving singer.

para que serve, portanto, a filosofia? serve para vivermos melhor. serve, por vezes, para nos permitir viver. nobres propósitos, convenhamos.

ah, a memória e a gratidão - como se levantam, de mãos dadas, contra a espuma dos dias, a velocidade, o vazio contemporâneo, o império do relativismo, todos os 'fogos fátuos', tantos falsos deuses.

não, não me esqueci do que escrevi, nesses dias de chumbo: honrar o vosso nome e o vosso legado filosófico, ético, moral. numa palavra, a vosssa dádiva civilizacional.

tanta e tanta coisa que nos cerca e enreda e que, bem vistas as coisas, não passa de mera 'static on the radio'.. mas não vós, mas não vós.


#30

25 junho 2011

"O George disse:
- Sabem que estamos a seguir um caminho completamente errado? Não devemos pensar nas coisas que nos podem dar jeito, mas apenas naquelas que não podemos dispensar.
É verdade que, de vez em quando, o George é mesmo um homem sensato. É surpreendente. Chamo a isto, inequivocamente, sabedoria, não apenas no que toca ao assunto em apreço, mas também no que se refere em geral à nossa viagem pelo rio da vida acima. Quantas pessoas, numa viagem destas, não carregam o barco a pontos de o fazer perigar, abarrotando-o de coisas tontas que acham essenciais para o seu prazer e conforto no passeio, mas que não passam de trastes inúteis!
Como atulham a pobre embarcação até à altura do mastro, com belas roupagens e casas enormes; com criados inúteis e um bando de amigos que não lhe ligam peva e aos quais também nada ligam; com divertimentos que não divertem ninguém, com formalidades e modas, com pretensões e ostentação, e com - oh! os trastes mais pesados e mais loucos de todos! - o temor daquilo que pensará o vizinho, com luxos que só estorvam, com prazeres que maçam, com espectáculos ocos que, como a coroa de ferro do criminoso de outros tempos, fazem sangrar e girar a cabeça magoada que a suporta!
São trastes, homem - tudo é trastes! Lança-os borda fora. O barco fica tão pesado que quase se desmaia a puxar pelos remos. Fica tão difícil e perigoso de manejar que nunca se tem um momento livre de ansiedade e de preocupações, nunca se tem um momento de descanso para devanear preguiçosamente - não há tempo para ver as sombras agitadas pelo vento que perpassam levemente os baixios, ou os raios brilhantes do sol que cintilam sobre a ondulação, ou as grandes árvores junto às margens contemplando o seu próprio retrato, ou os bosques, todos verdes e dourados, ou os lírios brancos e amarelos e os oscilantes juncos sombrios, e as ciperáceas ou as orquídeas ou os miosótis azuis.
Deita fora os trastes, homem! Deixa leve o teu barco da vida, carregado apenas com aquilo de que tu precisas - um lar acolhedor e prazeres simples, um ou dois amigos que mereçam tal nome, alguém que ames e alguém que te ame, um gato, um cão e um ou dois cachimbos, comida e roupa em quantidade suficiente e bebida em quantidade mais do que suficiente: porque a sede é uma coisa perigosa.
Verás que o barco é, então, mais fácil de manobrar e não será tão propenso a virar, nem será tão grave se isso acontecer: a mercadoria boa e simples suporta bem a água. Terás tempo para pensar, assim como para trabalhar. Tempo para beber ao sol da vida - tempo para escutar a música eólica que o vento de Deus arranca às cordas do coração dos homens que nos rodeiam - tempo para..."

Jerome K. Jerome, in "Três Homens Num Barco (Para Não Falar do Cão)"


(uma prenda de mim para todos nós, assim tenhamos a coragem para..)

meu velho e venerado mestre: apanhaste-me bem, doce sacana, quando me vejo, visto daqui..

24 junho 2011

anna karina
talvez tudo isto seja também
outra fórmula, ou manifestação,
dessa felicidade inteira e intacta

que é apenas uma forma outra
de dizer 'que bonita és!, rapariga',
nesse vestidinho ainda de inverno,

mas com a pele prometendo já
toda a frescura que só encontramos
no esplendor mais resoluto

do mais absoluto verão.

em memória do actor pedro hestnes.

o jorge silva melo, ontem, nas páginas do público, num belíssimo e lancinante texto, disse já (quase) tudo:

há pessoas assim, feridas para sempre, pássaros com febre, rapazes incuráveis.

'o segredo da felicidade é a liberdade; o segredo da liberdade é a coragem.'

tucídedes

p.s. atenção que na altura ainda não haviam inventado a ideia-conceito de 'amor romântico'.. ;)

22 junho 2011



deste estilo de música, made in usa, during the last couple of summers, se diz chamar 'chill wave'. é capaz de não andar longe disso, de facto. 

it's summer out there - let's feel it all around..?

21 junho 2011

sea change. for a change.


talvez seja também isto
outra fórmula, ou manifestação,
dessa felicidade inteira
que é apenas uma forma outra
de te dizer: 'chegou o verão!'

"mesmo que não conheças nem o mês nem o lugar
caminha para o mar pelo verão"


ruy belo

20 junho 2011


as vozes

a infância vem
pé ante pé
sobe as escadas
e bate à porta

– quem é?
– é a mãe morta
– são coisas passadas
– não é ninguém

tantas vozes fora de nós!
e se somos nós quem está lá fora
e bate à porta? e se nos fomos embora?
e se ficámos sós?


manuel antónio pina


como seria de esperar, pelo menos para os mais atentos a estas coisas, a entrevista de manuel antónio pina, recente prémio camões, ao jornal público, da passada sexta-feira, é um notável registo escrito de uma conversa que terá sido cintilante (ou não tivesse ocorrido entre a uma e as cinco da madrugada).

este homem diz coisas tão simples. que a poesia trata do amor e da morte (os dois grandes temas da vida e da arte), acrescentando-lhes ainda um terceiro - o tempo. e que não há redenção na poesia, porque a noção de simulacro prevalece sobre a recuperabilidade (do tempo, da sensação em primeira mão, da experiência original e autêntica). no entanto, a poesia oferece-nos algo precioso - a inventividade da linguagem e das ideias contra o medo. medo de quê? do que está antes (representado pelo universo sexual, em sentido lato), do que está durante (o amor), do que está depois (a morte), do que está sempre (o tempo).

ou as flores de inverno explicadas.

19 junho 2011



this machine kills fascists

o homem da guitarra negra
esperava por aviões de papel
impossivelmente polinizados
por esse estranho amor por ela

enquanto

a guitarra negra do homem
esperava no espaço que era dela
por mil aeroplanos em flor
e pelo amor dele nela.

18 junho 2011



#29


brooklyn

the last car on the line
i guess you're back doing time
the ghost of christmas past
left walt whitman in the trash

you started out with nothing but lonely days
you used to like the sad songs of doom and gloom
you started with nothing but throwaways
you couldn't live with me so you moved to
brooklyn

artificial desserts
some have cars some have kids
hit the pathmark after work
some never been past the bridge

you started out with nothing but lonely days
you used to like the sad songs of doom and gloom
you started with nothing but throwaways
you couldn't live with me so you moved to
brooklyn

i sometimes lie awake until sunrise
wondering how we become what we despise

no more couches to surf
only beaches in your dreams
no more trannies near work
it's still a drag walking in queens

it's all blood money in the bank
somehow some people find the nerve
like the soldiers they thank down in DC
if i could only find the words



estás, talvez com mais três pessoas, sentado no bar da aula magna, na passada quinta-feira, a fazeres horas para o grande concerto do ryan kid, e decides passar por cima da primeira parte. estranhas, aos poucos, que toda a gente esteja lá dentro, já. estranhas que os aplausos sejam mais que muitos, vindos, em generosas golfadas, das bocas da sala. estranhas que as melodias, lá ao fundo, te pareçam bonitas, sensíveis, catchy. esperavas de jesse malin, é dele que falamos, rock and roll vitaminado. afinal, acabou por sair isto. e isto é bom, por vezes mesmo muito bom. e, mais uma vez, o mundo - or whatever - te prova

toda a fulminante beleza
que vem conjugada,
mui displicente e ladina,
com a palavra surpresa.
olé, então se não é,
e como danada é,
esta nossa menina.

17 junho 2011



"Strawberry Wine"


last night in the street collapsed on itself
in fact, it broke right in two
and i fell in
the strawberry vines
into a pool of strawberry wine
strawberry wine and clouds
burning in the desert, surrounded in flowers
but the stems broke the armor
and the morning comes
until its all just the same things again
oh god,
don't spend too much time on the other side
let the daylight in,
before you get old and you cant break out of it

my old friend,
cause its getting winter, and if you want any flowers
you gotta get your seeds in
and i worry about you, why? because you want me to

can you still have any famous last words
if you're nobody somebody nobody knows,
i don't know
somebody go and ask clair
she's been dead twenty years just look at her hair
strawberry blonde with curls
she gets hair done then she gossips
with the younger waitress girls at the bar
the old irish rose
drinking strawberry wine
until it comes out her nose
she spent too much time on the other side,
and she forgot to let the daylight in

before you get old you'd better break out of it
my old friend,
cause its getting winter and if you want any flowers
you gotta get your seeds in to the ground,
and i worry about you,
why because you want me too

this fella downtown, he jumped off a bridge
he was angry about a letter he received from his friend
he fell in
to the arms of the most beautiful girls
that have ever lived in the history of the world

and with nothing left to lose he got screwed
he sold his apartment before they made him move
then he jumped straight in
to the san francisco bay
now he lives on molly's farm
picking berries all day

don't spend too much time on the other side
let the daylight in

marty was a kid when he learned steal boats
his dad was a deejay on the radio
he fell in
to a life
of riverboat crime
now has the man you see in prison
if you want strawberry wine
strawberry wine and smokes
he sent a letter to his friend
explaining one night on coke
he and clair
jumped in to the strawberry vines
and lord knows you get lost
on that strawberry wine

don't spend too much time on the other side,
let the daylight in

and i'm getting old and i gotta break out of it
my old friend,
cause its getting winter and if i want any flowers
i gotta get those seeds in to the ground,
and if you worry about me
don't bother
why?
i'll be fine
i'm just sitting here laughing
little old me and my
strawberry wine



--


eu sei que vivemos no século vinte-e-um. eu sei que no século vinte-e-um saber esperar é uma espécie de tolice para patetas anacrónicos, quando podemos ter tudo e tê-lo agora. eu sei que no século vinte-e-um ter do tempo uma perspectiva distendida - como se o tempo não existisse, de certa maneira - é, só pode ser, um erro de programação. mas também por eu saber tudo isto e persistir em acreditar nisto (não é bem acreditar, uma vez que viver é mais do que acreditar: é acreditar com ossos e pele e uma mente e os sentidos e as mãos e tudo o mais) que me custa tanto quando me confundem com outras coisas. eu não sou imediatista, não sou velocista, não gosto de queimar etapas. mas sou humano e, por vezes, cedo à própria humanidade que há em mim. tenho pena de não te poder ter dito isto antes e olhos nos olhos. mas a vida é assim, nem sempre temos as mui americanas 'chances' para viver segundos actos nas nossas micro-micro-vidas.

vem tudo isto a (des)propósito do concerto de ontem, na aula magna. ryan adams, 37 anos, quase estrela da 'alternative country' (também chamada 'americana'), resolveu dar concertos, outra vez. não o fazia desde 2008. e, pela primeira vez, fora dos EUA. 12 datas 12. e das 12, uma em lisboa e outra no porto. a vida tem coisas inexplicáveis, mas haverá talvez explicação. uma remota namorada de ascendência portuguesa? os livros de Pessoa, em tradução estadunidense? um programa de viagens na tv cabo lá do sítio? um amigo que tem um primo português? não importa muito.

o que importa (e muito) é que ontem assisti, entre as 22h30 e as 00h30, a duas horas de ryan adams no seu melhor. algo sarcástico, mas bem humorado, lançando bocas aos espectadores, meio baralhado em palco, a hesitar no alinhamento, percorrendo frenéticamente os cadernos de pautas e letras, agitado, um menino terrível da música popular americana, deliciosamente trôpego, cultor de um distanciamento próximo, alguém em que adivinhamos um mundo complexo, mas, ao mesmo tempo, que não nos maça demasiado com porquês e contextualizações. alguém que goza consigo próprio, que desafia os roadies ali mesmo, ao vivo e à nossa frente, que se engana numa canção e pára, alguém que tem uma harmónica que teima em não corresponder e não tem medo de o mostrar, alguém que, adivinhamos outra vez, já passou por muitas coisas e que sabe que "valeu a pena, pois!".

alguém que tocou vinte ou trinta canções, que oscilaram entre o bom, o muito bom, o extraordinário e o sublime. alguém cujas modulações de voz - o ligeiro falsete quebrado que consegue atingir em canções mais calmas é marca registada -, por vezes, nos levam a picos de intensidade inacreditáveis.

era isto que vos queria dizer, nesta manhã de sexta-feira. perguntam-me: então e o que tem aquela lenga-lenga do tempo e do século vinte-e-um, lá em cima, a ver com isto, com o concerto, com o ryan adams? e eu respondo-vos: esperei 10 anos 10 por este concerto. repito: esperei 10 anos 10 por este concerto. e, entre discos falhados e incidências menos felizes da sua vida pessoal, nunca desisti deste concerto. sabem o que é poder dizer, também-nós-em-modo-nós-com-ele-em-uníssono?:

"valeu a pena, rapazes? valeu, pois!!"

10 anos, no século vinte-e-um.


p.s. um tipo que dedica, em palco, uma canção ao escritor j.d. salinger, como aconteceu ontem à noite, merece que lhe aconteçam.. coisas boas.

16 junho 2011

ponette, de jacques doillon
sophie calle

11 junho 2011



1. não sei quanto tempo mais conseguirei escrever aqui, neste jardim de inverno, fiel companheiro de tantas horas, tantos dias, tantas semanas, tantos meses, tantos anos, uns quantos amores, tantas flores.

2. hoje, encontrei um coração caído no chão, ao pé do jardim da estrela. estava ainda morno e palpitava, num último estertor. por cada coração que cai, há um mundo inteiro que se despedaça, um universo que é apagado do devir cósmico. queria dizer-vos isto, apesar de não gostar nada de vos dizer isto.

3. escrever a coração aberto é um exercício radical e nem sempre se sobrevive a exercícios radicais. talvez noutro mundo, neste não me parece. mas este é tudo o que temos e portanto temos que aprender de vez a jogar segundo as suas regras. as coisas ou se fazem ou não se fazem - os enunciados nem sempre podem ser dominados, mas as respostas aos enunciados podem.

4. quanto a ti, que provavelmente nem existes, como uma vez escrevi, por resultares de um absurdo excesso de real, ficas a saber que continuarei na minha demanda, esta aventura, talvez insana, talvez linda, talvez as duas coisas. quando chegar ao final, continuarei. quando chegar ao final do final, continuarei. quando chegares, será princípio, outra vez. desistir nunca será opção.

5. nem todos temos uma vida perfeita, aquela que desejaríamos. se a mereceríamos ou não, seria uma longa e diferente história. optamos, portanto, por acreditar que ela é possível e que a merecemos, apesar de todos os nossos muitos disparates, erros, pecados, apesar de toda a glacial probabilística. e optamos por acreditar da única maneira que sabemos: verticalmente, com tudo o que somos.

6. há na resistência uma ética radical. noutras coisas também. aqui há uns tempos, e parafraseando um escritor bastante conhecido (faulkner, creio eu), entre o nada e a dor, sei que escolhi a dor. é tempo, agora, de escolher a vida, colher a flor, encontrar os teus lábios, dizer Amor.

7. porque, afinal:

cada vez que sorris

um condenado à morte
escapa
por entre muros de betão

e a matemática
amanhece
em exacta convulsão

e a luz
desmaterializa-se
até à mais pura exaustão

a felicidade inteira
ou outra forma de dizer
o verão.



10 junho 2011



não perguntes o que o mundo pode fazer por ti.
não perguntes o que podes tu fazer pelo mundo.
pergunta-te o que podes tu fazer por ti mesmo.

09 junho 2011



ladyflash

obrigado, muito obrigado, pelo chamado 'doce murro no estômago'. soube bem, como todas as coisas certas e necessárias e que por isso não carecem de qualquer justificação - elas são a sua própria justificação e o seu próprio sentido. o perfume das coisas simples é uma maravilhosa demonstração do poder solar que une os seres humanos - aquele que resulta do mais desarmadilhado e mais recíproco encontro de vontades. isto é íntimo ou é pessoal? who really cares?! it's beautiful.

(e, sim, é uma espécie de poema em prosa.)
Os Estatutos do Homem


Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.


Thiago de Mello
joão gilberto celebra hoje, creio eu, oitenta anos; bob dylan fez, na semana passada, setenta primaveras; leonard cohen ganhou o prémio príncipe das astúrias, há poucos dias.
às vezes, o mundo faz sentido. às vezes, cheira a verão, outra vez.

03 junho 2011



'la nostra feroce volontà d'amore'

há poemas assim,
tanto maiores quanto mais fielmente depositários
dessa exigência extrema e primaveril
que incendeia todas as pétalas-palavras.

como se a poesia fosse um modo de dizer
o que não pode ser dito
e que, contudo, tem que ser absolutamente dito.

como os teus lábios,
que já não existem a bem dizer,
e que, contudo,
nunca existiram de forma tão absoluta.

o que é o real? - perguntas-me,
como se eu fosse filósofo, sage, sábio,
e eu respondo-te como sei:

o real é eu saber ainda declinar
a curva da tua pele,
milímetro a milímetro,

e nela ter reaprendido a impotência devastadora
de toda a geografia descritiva.

o real é a memória,
e a saudade.

mas o real é também o futuro,
essoutra estrada por ora adiada.

01 junho 2011


sean penn, no impossivelmente bom 'a árvore da vida', superlativo filme de terrence malick.
ou o homem moderno no seu próprio, e contra-natura, labirinto interior - em contra-mão com tudo aquilo que um dia foi, com tudo aquilo que um dia será, com tudo aquilo que verdadeiramente é.

até breve.

p.s. 'and sadness shall have no dominion', (adaptado de dylan thomas).

p.p.s. 'unless you love, your life will flash by'. (citação de 'the tree of life', de terrence malick)